A revista Empire UK divulgou nesse mês de agosto uma nova entrevista com o diretor Yorgo Lanthimos e os atores do seu novo filme, ‘Poor Things’. Trouxemos pra vocês a entrevista traduzida, confira abaixo:
Você sabe o que você sente quando se senta para assistir a um novo filme de Yorgos Lanthimos. Dogtooth (2009) e depois The Lobster (2015), e em 2017 The Killing Of A Sacred Deer, e por último The Favourite (2018) com Emma Stone e Rachel Weisz em um triângulo de manipulação, cada um competindo pelo atenção – e cama – da doente de Olivia Colman, rainha Anne, e seus 17 filhotes de coelhos. Cada um desses filmes é sobre Lanthimos – sombrio, engraçado, brincalhão – e seu novo, Poor Things, é todas essas coisas também, mas quando você se sentar, saiba disso: o trabalho de Lanthimos nunca foi tão estranho ou grandioso. Para isso – seu mais arriscado, e mais caro filme até agora – Lanthimos voltou a trabalhar com Tony McNamara, roteirista de The Favourite , e com Emma Stone, que estrela agora como Bella Baxter: uma experiência viva dos deformados, e o cientista excêntrico, Dr Godwin Baxter (Willem Dafoe), que ela chama de Deus, doutor cujo o corpo de uma mulher morta trás à vida novamente. Quando conhecemos Bella, filmado como um filme de terror universal em preto e branco dos anos 1930, ela é uma mulher adulta com o cérebro de uma criança, quebrando pratos puramente porque ela se delicia em ver eles quebrarem. Ela amadurece em hipervelocidade. Seu cabelo cresce centímetros em poucas semanas; a sua fala vai de um bebê para um jovem acadêmico em minutos. Poor Things é sobre identidade, memória, a busca pela liberdade e, embora suas origens estão na morte – é sobre um coração cheio de amor pela vida e pela descoberta. Juntos, Lanthimos, Stone e McNamara construíram um mundo e
uma mulher diferente de tudo que já vimos.
“É um mito, é um conto de fadas”, Lanthimos. “Ela é uma criatura que nunca existia antes.” De onde diabos ela veio? Bem, “Escócia” é a resposta fácil.
Lanthimos se apaixonou por pelo romance de 1992 de Alasdair Gray, Poor Things em 2010, depois um amigo lhe disse que ele tinha que ler
o livro, imediatamente, ele então procurou o autor de quase setenta anos, e viajou para encontrá-lo.
“Ele me levou em Glasgow, caminhando pelos bairros onde havia colocado certas cenas”, lembra Lanthimos. “Ele era um homem maravilhoso e cheio de energia. Tive este dia incrível com ele, e então no final disso, ele disse: ‘Acho que você fará um ótimo trabalho com isso. Aqui está, vá em frente e faça isso.’” Lanthimos, porém, teve problemas para obter luz verde. “Acho que as pessoas tinham muito medo disso”,
“Depois de The Favourite, todo mundo ficou tipo, ‘O que você quer fazer a seguir?’ Imediatamente eu disse: ‘Eu quero fazer Poor Things.’ Para Lanthimos, Tony McNamara foi a escolha óbvia para adaptar o romance para a tela — McNamara tem um tom de voz que combina, diz Lanthimos, quando eles se misturam, eles fazem algo totalmente diferente. McNamara concorda: “Minha esposa brinca que somos meio que irmãos, de uma forma estranha.”
O romance era grande e pesado, uma história extensa com muitos narradores.
“Eu tive que cortar algumas partes e descobrir sobre o que é, e com quais personagens ficar, e como contar essa história que vai para vários lugares”, diz McNamara.
Pelo menos um personagem teve sua motivação alterada no romance, o cientista de Dafoe reviveu uma mulher para tornar-se sua parceira sexual e foi rejeitado, quando ela tocaria em todos menos nele. Que foi uma das primeiras coisas a entrar.
“Assim como nosso senso de humor, algo que ambos somos muito atraídos, é a ideia de que as pessoas são muito complexas”, diz o escritor. “Nós nunca gostamos de personagens simples. Tornou-se uma relação paterna, mas também mais complicado.” No entanto, McNamara teve uma oscilação na página 80 e escreveu para Lanthimos para dizer que talvez não estivesse ficando bom, na verdade, e ele não tinha certeza se ele poderia terminar. “E então”, diz McNamara, eu disse: ‘Acho que eu posso fazer isso ser sobre ela.’”
Tanto The Favourite quanto Poor Things são histórias sobre mulheres, algo que Lanthimos sente-se inconscientemente atraído. Possivelmente é por ter sido criado por uma mãe solteira, e então, depois de sua morte quando ele tinha 17 anos, foi criado por sua tia. Agora trabalha com Emma Stone.
“Então você está preso com mulheres”, brinca Emma Stone através do Zoom.
“Abigail, minha personagem em The Fsvourite, e Bella Baxter são totalmente opostos”, diz Emma. “Uma é completamente presa a tudo isso que aconteceu com ela e a outra é completamente livre de tudo o que aconteceu com ela.” Quando ela fala sobre Bella Baxter, Stone praticamente sorri. “Eu amo absolutamente tudo sobre ela”, entusiasma-se. “Ela é minha pessoa favorita. Ela não é ninguém. Ela é livre e não tem vergonha. Ela é engraçada e tão viva. Seu jeito de falar – suas palavras repetidas como um dicionário de sinônimos à medida que seu vocabulário se expande, a melhor parte sobre isso”, diz ela, “estava pensando: ‘O que você seria se ninguém lhe dissesse o que você deveria ser?’ Ou como você deveria ser, ou como você deveria falar sobre o mundo? Foi importante não apenas para o personagem e para a história, mas também, eu acho, na minha vida, não fazer isso, você sabe” – ela revira os olhos — “terapia”.
É uma atuação que exige uma ausência de autoconsciência, um compromisso destemido à parte, e total confiança em Lanthimos. A sua co-estrela Willem Dafoe explica: “Emma realmente se joga nas coisas. Às vezes você vê artistas que fazem isso, mas há um masoquismo sobre isso – ela não tem nada disso. Ela é muito divertida.”
Com formação em teatro, e sendo ele próprio um ator, Lanthimos coloca seu elenco por algumas semanas em jogo de teatro. Tudo o que resta é confiar; um sentimento de segurança em tentar e falhar. É o tipo de coisa que torna os amadores se encolher de agonia como uma lesma. Dafoe, também com formação em teatro experimental, diz que aqueles preparatórios são essenciais para um filme como este.
“Isso é um relacionamento diferente do que você normalmente tem com parceiros de cena”, explica. “Você é muito paciente com todos, e todos são pacientes com você. Eles precisam estar confiantes no que eles estão fazendo, porque o que estamos fazendo é arriscado. Não é um filme normal.”
O comediante Ramy Youssef — em seu primeiro grande papel no cinema como Max McCandless, um colega da Bella Baxter e, está em competição com o advogado idiota de Mark Ruffalo, Duncan Wedderburn, um dos interesses amorosos de Bella – disse que esses ensaios foram uma das coisas mais legais ele já fez parte. “O nível de intimidade em esses jogos de teatro – como não amar um ao outro depois disso?!”
Então ele foi enviado para a escola de agente funerário com Dafoe para aprender os aspectos técnicos de ser um anatomista do século 19, praticando o corte e costura em carne humana e em partes de animais, usando instrumentos médicos de 1800.
“Era tipo: ‘Mark vai para a aula de sotaque, Emma vai para a aula de dança, e então eu e Willem vamos sair com o agente funerário, e retornamos novamente na hora do almoço’”, ri Youssef. “Parecia um campus universitário.”
“O livro se passa em um estilo vitoriano, mas focando no ponto de vista de Bella eu senti que tínhamos que construir um mundo para ela habitar”, diz Lanthimos. Cada cena está em um cenário construído, inspirado pela qualidade artesanal e pictórica de filmes de estúdio de Hollywood da década de 1930, bem como a obra de Fellini, e até do diretor sueco Roy Andersson, conhecido por construir cenários inteiros apenas para filmar um ângulo específico.
Lanthimos não tem certeza do quanto eles eles gastaram com isso tudo, é um risco, um filme experimental não apenas financeiramente, mas
artisticamente: o diretor foi além como nunca antes. Ele está preocupado em perder pessoas indo longe demais?
“Eu não quero que pareça que eu não dou a mínima sobre as pessoas, mas eu meio que… não,” ele ri. “Toda vez que faço um filme, só quero ficar fiel ao meu instinto. Eu me sinto muito sortudo por poder ser completamente livre criativamente para fazer esse tipo de filme – mas, ao mesmo tempo, acho que não estaria fazendo filmes se eu não pudesse fazê-los da minha maneira. As pessoas vão ver certas coisas de forma diferente, e essa é a alegria disso: criar esses tipos de filmes que não são monótonos ou específicos.”
Poor Things não é o fim do universo cinematográfico Lanthimos/Stone. Eles já filmaram seu próximo longa, chamado AND, em Nova Orleans. Dafoe também está nele.
Sobre o que é AND? Há um silêncio. Nem Lanthimos nem Stone tem certeza do que deve permanecer em segredo por enquanto. Eventualmente, Stone se inclina para frente e diz: “Então você já viu Jurassic Park, certo? É isso. É o Parque Jurássico.” OK. “É uma nova abordagem”, acrescenta Lanthimos. “Sem os dinossauros.” Eles sorriem. “Temos Bella Baxter para fazer companhia.”
Poor Things chega aos cinemas nos EUA no dia 8 de Dezembro, ainda sem data de estreia no Brasil.